CARTA DO 1º ENCONTRO NACIONAL DO LEVANTE FEMINISTA CONTRA O FEMINICÍDIO, O LESBOCÍDIO E O TRANSFEMINICÍDIO.

Nós, integrantes da Campanha Nacional Levante Feminista Contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio, distribuídas nos diversos territórios do país, na nossa diversidade de gênero, raça e etnia, orientação sexual e iden>dade de gênero, com deficiência, das águas, da floresta, do campo e da cidade, reunidas em Encontro Nacional nos dias 2 a 4 de novembro de 2024 em Brasília, externamos com nossas vozes indignadas nossa defesa intransigente da vida das mulheres. 

Estamos reunidas em âmbito nacional, presentes em 20 estados, a exigir medidas concretas para prevenir as violências que atingem seu ápice com a morte das mulheres, a devida justiça e políticas de reparação. Honramos a memória das ví>mas de transfeminicídios, feminicídios e lesbocídios. 

Somos movidas por uma profunda repulsa aos assassinatos de mulheres em nosso país, cerca de 37.420 entre 2015 e 2023, 10.330 dos quais feminicídios, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Somente em 2023, ocorreram 1.467 mortes por razão de gênero no Brasil, o equivalente a mais de 122 assassinatos por mês, com mais de 4 mulheres ou pessoas trans perdendo a vida por dia devido ao machismo (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2024). Apesar de alarmantes, esses números, infelizmente, são menores do que a já dura realidade, em razão da subnotificação. 

A misoginia, expressão do patriarcado, opera junto ao racismo para tornar as mulheres negras na maioria das ví>mas (63,6%) e as mulheres indígenas mais vulnerabilizadas diante da disputa e destruição da biodiversidade que ameaça seus corpos territórios; e se ar>cula com a lesbo e transfobia, para fazer do Brasil o país onde mais se matam mulheres lésbicas e trans. Mulheres trabalhadoras empobrecidas, ciganas, migrantes e refugiadas precisam ser incorporadas entre os grupos mais vulnerabilizados frente aos feminicídios.

Para nós, lesbocídios, feminicídios e transfeminicídios ocorrem quando o estado, por meio de suas ins>tuições, absorve as construções culturais patriarcais, misóginas e discriminatórias presentes na sociedade, e falha no seu dever de prevenir, punir e eliminar as violências de gênero intersecionadas com o racismo, à lesbo e transfobia, e a outras formas de discriminação. Com a ascensão do fascismo e do ultraconservadorismo e os ataques à democracia, a liberação e a disseminação das armas, a presença das milícias, em especial em territórios periféricos, se abriu um ambiente cada vez mais hostis às mulheres. 

O desmonte do arcabouço das políticas públicas em geral, ocorrido no período ultraconservador vivido recentemente no país, afetou profundamente o acesso das mulheres à cidadania, deixando uma enorme lacuna e a necessidade de um esforço excepcional para recompor e ampliar as possibilidades de viver sem violência e escapar da morte anunciada. 

Ainda que retomada, a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres exige orçamento à altura, fortalecimento das estruturas ins>tucanos e medidas de apoio às iniciativas da sociedade civil. Parte dessa política, a campanha que pretende zerar os feminicídios é uma nova oportunidade para ampliar o debate sobre essa violência e conjugar esforços para prevenir e enfrentar os transfeminicídios, lesbocídios e feminicídios. 

A falta de políticas públicas para prevenir, acolher e proteger contra a violência transforma mortes prevenireis e evitáveis em tragédias pessoais com impactos cole>vos, produzindo tristeza, orfandade e sensação de medo e injustiça. As numerosas sobreviventes de tentativas de feminicídio no Brasil se constituem hoje num contingente de mulheres com graves sequelas asicas e psíquicas, sem que haja políticas de cuidados e proteção. Nos territórios periféricos (urbanos, rurais, florestas), longe dos olhares da grande imprensa, ocorrem diariamente feminicídios, lesbocídios, transfeminicídios nunca no>ficados, não qualificados como tais. Nenhuma dessas pessoas será ignorada por nós.

Cabe aos poderes públicos e à sociedade a adoção de medidas urgentes para que esse cenário tenha fim. O medo da violência sobre nossos corpos e sobre a nossa existência não condiz com o que prevê a Constituição Federal de 1988. É crucial garantir os direitos fundamentais de todas as pessoas para que a democracia seja uma realidade. 

Cabe aos poderes executivos Federal, Estaduais, Municipais e Distrital a implementação de políticas públicas de educação, cultura e comunicação para prevenção da violência de gênero e de respeito à diversidade. 

Os governos devem assegurar políticas públicas de caráter transversal e o acolhimento com perspectiva de gênero e intersecional das ví>mas de violência de gênero reconhecendo as diferentes necessidades de cada pessoa, respeitando as diversidades de nossos corpos, identidades, sexualidades e arranjos/contextos sociais. Devem ainda priorizar recursos orçamentários para o enfrentamento do feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio, fortalecer instâncias participativas e qualificar o serviço público para reconhecer as violências e os feminicídios, de acordo com a Lei e as Diretrizes nacionais. 

Instamos os poderes Legislativos Federal, Estaduais, Municipais e Distrital a construir legislações que promovam o fortalecimento de Leis já existentes, como a Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340/2006) e leis de prevenção que estimulem mudanças estruturais na sociedade. Neste sentido, é inaceitável a continuidade de visões estritamente punitivistas sobre a violência de gênero e feminicídio como as que se expressam nas propostas em tramitação e aprovadas no Congresso Nacional e outras instâncias. É responsabilidade ainda do legislativo garantir que o poder Executivo tenha recursos orçamentários para que medidas de prevenção e acolhimento possam ser implementadas. 

O Judiciário precisa em toda a sua capilaridade garantir, com celeridade, a aplicação das leis e políticas públicas, fortalecendo assim a legislação existente. Aquelas/es que atuam nos poderes judiciários precisam estar qualificados para respeitar a diversidade dos corpos, contextos sociais, identidades, raça e etnia daquelas pessoas que estão expostas a ameaças e situações de violência que podem ou que levaram a episódios de feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio. 

A imprensa em sua diversidade, especialmente considerando as concessões públicas, tem a responsabilidade de ajudar na construção de uma cultura de paz e respeito à diversidade. As ví>mas, independente de sua raça, etnia, identidade de gênero, sexualidade e deficiência, precisam ser consideradas e receberem tratamento digno, não banalizador ou culpabilizador. Os conteúdos jornalísticos, publicitários e midiáticos em geral devem promover acolhimento, estimulo à justiça, ao respeito e de forma alguma a revitimização. 

É fundamental que a sociedade se mobilize para a construção de relações interpessoais de respeito desde os ambientes familiares, da escola pública, laica e de qualidade em todos os níveis, pelas manifestações culturais, fortalecendo a informação sobre direitos e não tolerando práticas violentas baseadas em gênero. Diante desta cruel realidade, reafirmamos o papel da Campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio como vozes de milhares de ví>mas e de todas as mulheres, pois direta ou indiretamente somos todas sobreviventes na sociedade patriarcal marcada pelo ódio às mulheres. Continuaremos em luta como campanha permanente!

LEVANTE FEMINISTA CONTRA O FEMINICÍDIO, O LESBOCÍDIO E O TRANSFEMINICÍDIO.